Compreendendo o Eu na Clínica Fenomenológica-Existencial: Um Diálogo Clínico-Psico-filosófico entre Sartre e Wittgenstein

Na clínica fenomenológica-existencial, o passado, o presente e até mesmo o futuro não são verdades imutáveis, mas narrativas em constante transformação. E se você pudesse ressignificar sua própria história e descobrir novas possibilidades de existência? Aqui, combino os conceitos da filosofia da linguagem de Wittgenstein e a psicologia existencial de Sartre, para mergulharmos na forma como a linguagem molda nossa consciência e revela o nosso Eu. A partir da análise das narrativas, o psicólogo pode ajudar a desvendar camadas ocultas da psique, promovendo um profundo processo de autoconhecimento e liberdade. Leia agora e descubra como a terapia pode ser uma jornada de reconstrução do seu próprio ser!

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Por Flávio Sousa

3/21/20255 min ler

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O atendimento psicológico clínico existencial se estrutura na relação do indivíduo com sua própria narrativa, onde o passado, o presente e o futuro são elementos em constante reconstrução, reinterpretados no processo terapêutico. A fenomenologia existencial de Sartre, aliada às reflexões da filosofia da linguagem de Wittgenstein, permite um olhar aprofundado sobre a constituição do sujeito a partir de suas narrativas, favorecendo a compreensão da consciência e da identidade.

Neste contexto, o trabalho clínico do psicólogo não se reduz a uma análise causalista do passado, mas sim a um exercício hermenêutico e dialógico sobre os sentidos que emergem na linguagem do paciente. O terapeuta se posiciona como facilitador da autodescoberta, ajudando o sujeito a revelar sua própria estrutura psicológica através do discurso.

Este texto tem como objetivo expressar, de maneira reflexiva e instrutiva, como a fenomenologia existencial sartriana compreende o sujeito psicológico na psicoterapia e como a filosofia da linguagem de Wittgenstein pode fornecer ferramentas valiosas para este entendimento, promovendo o autoconhecimento e a transformação pessoal.

A Narrativa na Psicoterapia Existencial: Passado, Presente e Futuro, Todos em Construção

A clínica existencial-fenomenológica entende o sujeito como um ser-em-situação, sempre em processo de vir-a-ser. Diferente de outras propostas, que buscam a causalidade inconsciente dos fenômenos psíquicos no passado, nossa abordagem concentra-se na experiência vivida e no sentido que o indivíduo lhe dá.

Jean-Paul Sartre, em O Ser e o Nada, enfatiza a liberdade como fundamento da existência. Para ele, o ser humano não é uma essência fixa, mas sim um projeto em constante elaboração. Esse projeto se revela na linguagem e, especificamente, nas narrativas que o indivíduo constrói sobre si mesmo.

A terapia, nesse contexto, não visa simplesmente interpretar o passado, mas compreender como o cliente/paciente significa sua história e como isto pode ser ressignificado. O terapeuta ajuda o indivíduo a perceber que seu relato não é apenas um espelho do que aconteceu, mas sim uma construção que pode ser reformulada à luz de novas compreensões.

Por isso, o psicólogo clínico precisa estar atento não apenas ao conteúdo narrado, mas também à forma como o sujeito estrutura seu discurso, identificando padrões, lacunas e possibilidades de novas interpretações. É nesse ponto que a filosofia da linguagem se torna uma ferramenta valiosa para este exame.

A Filosofia da Linguagem de Wittgenstein e a Psicologia Existencial

Ludwig Wittgenstein, em Investigações Filosóficas, propõe que o significado das palavras não está nelas mesmas, mas no uso que fazemos delas dentro de jogos de linguagem. Aplicado à clínica psicológica, isso significa que a narrativa do sujeito analisado não deve ser vista como uma simples descrição de fatos objetivos, mas sim como um jogo de linguagem que revela e constrói sua identidade.

A terapia, portanto, deve explorar as regras e os sentidos que emergem desse jogo linguístico. Quando um narrador diz: "Eu sempre fracasso", essa frase não é apenas um relato objetivo de eventos, mas expressa um modo específico de perceber e interpretar a realidade. O psicólogo deve investigar como essa noção foi construído e de que forma ela pode ser transformada.

A linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas sim um espaço no qual a pessoa se constitui. Sartre defende a ideia de Husserl, e afirma que a consciência é sempre consciência de algo, ou seja, ela se define na relação com o mundo. Quando o cliente narra sua experiência, ele revela não apenas o que viveu, mas também a forma como se relaciona com sua própria vivência.

Dessa forma, a análise clínica deve focar não apenas no que é dito, mas também naquilo que foi deixado de ser proferido, nos silêncios, nas ambiguidades e nas contradições do discurso. O terapeuta existencialista, com o auxílio de Wittgenstein, pode questionar: O que significa, para esse sujeito, sempre fracassar? Como essa afirmação se insere em seu jogo de linguagem? O que ele busca comunicar com essa frase?

Essa abordagem permite que o indivíduo compreenda a si mesmo de maneira mais profunda e se aproprie de sua liberdade existencial, reconhecendo que sua narrativa não é fixa, mas pode ser ressignificada.

O Eu como Construção Narrativa: Consciência e Reflexividade

Na visão sartriana, o Eu não é uma entidade estável e dada, mas um produto da consciência refletida. Isso significa que o sujeito se percebe e se constitui na medida em que reflete sobre si mesmo. Essa reflexão se manifesta, em grande parte, através da linguagem e da narrativa.

Este exame fenomenológico-existencial trabalha com essa perspectiva ao incentivar o analisado a explorar suas narrativas, questionando suas próprias certezas e abrindo espaço para novas interpretações. Nesse processo, o terapeuta age como um mediador da reflexão, ajudando na promoção de consciência das escolhas que fez e das possibilidades que ainda pode construir.

A partir da filosofia da linguagem, podemos compreender que a identidade do sujeito, ou seu Eu, não é um dado fixo, mas um conjunto de enunciados que ele aprende e reproduz em diferentes contextos. O psicólogo pode ajudar o paciente a reconhecer que sua maneira de narrar sua própria história revela seu posicionamento, o que, de forma consciente, o coloca na condição de decidir de maneira assertiva, os caminhos que mais lhe fazem sentido.

Essa aquisição de consciência tem um efeito terapêutico poderoso: ela permite que o sujeito se veja como agente de sua própria existência, não apenas como um produto de circunstâncias passadas. Ao perceber que sua identidade é construída na linguagem, ele ganha a liberdade de reformulá-la e ressignificá-la.

Conclusão

O atendimento psicológico na perspectiva fenomenológica-existencial sartriana, aliado às investigações da filosofia da linguagem de Wittgenstein, oferece uma compreensão profunda do Eu como uma construção expressiva e narrativa. O psicólogo, ao explorar os discursos do paciente e os seus sentidos, possibilita que o sujeito tome consciência de si mesmo como ser-em-projeto, reconhecendo sua liberdade e sua responsabilidade na construção de sua própria existência.

A clínica se torna, assim, um espaço de transformação, no qual o paciente aprende a desconstruir padrões linguísticos limitantes e a reconstruir sua identidade a partir de novas perspectivas. Esse processo não apenas promove alívio do sofrimento psíquico, mas também fortalece a autonomia e autenticidade do sujeito, permitindo-lhe viver com mais consciência e liberdade.

Dessa forma, o trabalho clínico não se resume a escutar relatos passados ou interpretar padrões inconscientes, mas sim a possibilitar que o indivíduo reveja, compreenda e ressignifique sua própria história, abrindo caminho para novas possibilidades de existência.