O que não te contaram sobre a liberdade: libertação e limites - um paradoxo?
Uma exploração profunda da liberdade sob ótica existencialista, este texto revisita a radicalidade do pensamento de Sartre para revelar como a autenticidade e o potencial humano dependem do reconhecimento intransigente da própria liberdade. Ao dissecar a má-fé e os desafios das relações interpessoais, a análise desvela as armadilhas da autossabotagem e da alienação, convidando o leitor a uma reflexão corajosa sobre a responsabilidade de existir. Mais do que uma contemplação psicofilosófica, este ensaio é um chamado à ação: assumir-se livre é o primeiro e mais desafiador passo para uma vida genuinamente autêntica.
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Por Flávio Sousa
11/24/20234 min ler
Sartre defende que a liberdade é absoluta e inalienável: o homem está condenado a ser livre. Esse postulado implica que não há essência anterior à existência; o ser humano é responsável por construir a si mesmo através de suas escolhas. Esse é o fundamento da autenticidade: reconhecer e assumir plenamente a própria liberdade para criar e realizar seu projeto existencial.
Sartre, em seu ímpeto filosófico, ressaltou que o homem é liberdade de ponta a ponta e que ela é um elemento central da existência humana. É fácil, à primeira vista, ceder ao encanto de uma liberdade sem amarras, mas note que a liberdade não se resume a uma simples ausência de restrições externas, mas está intrinsecamente ligada à consciência de nossa capacidade de escolhas e ações.
Nas próximas palavras, abordarei essa noção destacando o ponto de vista da fenomenologia existencial sartriana sobre o tema, não como um "tesouro" a ser descoberto ou explorado, mas como percepção da capacidade de agir e de ser. No entanto, o que falta é a ênfase na radicalidade dessa liberdade, que não apenas permite, mas exige a constante reinvenção de si mesmo. A exploração do potencial humano depende diretamente do grau de reconhecimento dela, e qualquer negação ou diluição desse aspecto abre espaço para a má-fé.
A Liberdade e a Consciência: a Percepção Como Chave da Autonomia
Nietzsche nos alerta sobre os perigos da submissão às normas morais preestabelecidas, destacando que a verdadeira liberdade não se encontra na obediência cega a valores herdados, mas na criação ativa de si mesmo. Essa ideia converge com a perspectiva sartriana, que afirma que a liberdade não é apenas um atributo humano, mas uma condição inevitável da existência.
Porém, essa liberdade só se efetiva na medida em que somos conscientes dela. A percepção é o elemento central que delimita até onde podemos exercer nossa autonomia. Nossa consciência molda o espectro de nossas possibilidades, pois, sem a compreensão de nossa própria liberdade, nos aprisionamos em limites impostos por crenças, medos e convenções sociais.
Ortega y Gasset nos convida a perceber que a liberdade se manifesta nas circunstâncias que enfrentamos, mas apenas quando temos consciência do nosso poder de escolha dentro delas. A alienação ocorre quando deixamos de enxergar nossas possibilidades e nos rendemos a padrões impostos. Isso explica por que algumas pessoas, mesmo diante de oportunidades objetivas, não conseguem exercitar sua liberdade: a falta de percepção sobre suas opções reduz seu campo de ação.
A Má-Fé e a Renúncia da Liberdade
A má-fé, conceito crucial em Sartre, ocorre quando o indivíduo se engana ao acreditar que sua identidade é fixa e determinada por forças externas. Isso se manifesta em situações cotidianas, como no caso do garçom que interpreta seu papel de forma mecânica, esquecendo que poderia escolher outro caminho, ou da pessoa que se apega a um destino inevitável, recusando-se a enxergar alternativas.
Esse autoengano é uma barreira fundamental para o exercício da liberdade autêutica, pois reduz a consciência da própria autonomia. Quanto menos percebemos a extensão de nossa liberdade, mais facilmente caímos em papéis sociais que sufocam nossa autenticidade.
A Liberdade Como Construção Ativa
A liberdade não é uma essência estática, mas um processo dinâmico que exige constante afirmação. A relação entre consciência e liberdade revela que, quanto maior nossa percepção de escolha, maior é nossa responsabilidade em assumir os caminhos que seguimos. Camus argumenta que a revolta e a criação são expressões fundamentais dessa liberdade, pois permitem que transcendamos os limites impostos e construamos significados próprios para nossa existência.
Dessa forma, não basta reconhecer-se livre; é necessário expandir a consciência sobre as possibilidades para que essa liberdade possa ser exercida de maneira autêntica. A verdadeira libertação ocorre quando ampliamos nossa percepção do que podemos ser, recusando-nos a aceitar limites impostos pela inércia ou pela má-fé.
Conclusão
A liberdade é inseparável da consciência que temos dela. Ser livre não é apenas ter escolhas, mas reconhecer essas escolhas como autênticas e agir de acordo com elas. Quanto mais expandimos nossa percepção sobre nossas possibilidades, mais nos aproximamos de uma liberdade real e concreta. Nietzsche, Sartre, Ortega e Camus apontam, cada um a seu modo, que a liberdade não é uma simples ausência de limites, mas um desafio constante de consciência e responsabilidade.
Assim, para nos desenvolvermos, é necessário ampliar nossa percepção da liberdade, confrontar as estruturas que nos aprisionam e assumir o compromisso de nos reinventarmos continuamente. A consciência não é apenas um meio de compreender a liberdade, mas a própria condição para exercê-la em plenitude.
A abordagem sartriana da liberdade tem implicações profundas para a psicologia, especialmente no campo da psicoterapia existencialista. O trabalho psicoterapêutico buscar revelar o indivíduo em meio a angústia e má-fé, ajudando-o a reconhecer suas omissões e incentivando-o a assumir a responsabilidade por sua existência. Isso envolve enfrentar a angústia inerente à liberdade e encontrar formas autênticas de viver seu projeto original.
A liberdade não é apenas uma dádiva; é um fardo que exige coragem. A verdadeira libertação ocorre quando assumimos essa condição sem desculpas, sem nos escondermos atrás de papéis sociais e sem sucumbir à objetificação pelo olhar do outro.
Assim, a reflexão sobre a liberdade deve ir além de sua exaltação como princípio abstrato e alcançar sua concretização no cotidiano. A psicologia sartriana nos ensina que a liberdade é um chamado constante à responsabilidade, e é nessa tensão entre possibilidade e escolha que se encontra o verdadeiro desafio da existência humana.