O salto e o abismo: o lobo está condenado a ser o predador, o homem, a ser livre

Neste texto, exploramos uma metáfora poderosa: o lobo, guiado pelo instinto, está condenado a ser predador — o homem, por sua vez, está condenado a ser livre. A partir dessa imagem, propomos uma reflexão fenomenológica sobre as narrativas existenciais que construímos ao longo da vida. Como escolhemos quem somos? Que riscos envolvem o salto diante do abismo da liberdade? Este ensaio convida o leitor a pensar sua própria história não como algo dado, mas como algo em constante invenção — um processo de escolhas, recusas e reinvenções. Para quem busca compreender o sentido de suas decisões, encontrar direção em meio à angústia e desenvolver uma escuta mais profunda de si, este texto oferece não respostas prontas, mas caminhos de pensamento e liberdade.

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Escrito por Flávio Sousa

4/22/20252 min ler

wolf standing on rolled hays
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Certa vez, alguém me descreveu a cena de um lobo diante de um precipício, hesitante ao ver sua presa voando logo adiante. Essa imagem, embora simples, oferecia uma analogia profunda: o lobo, sendo guiado por seus instintos, não pode mais do que obedecer a sua essência predadora. Seu salto seria o cumprimento de uma natureza predeterminada. O homem, contudo, ao se deparar com o mesmo precipício, não está condenado a saltar — ele está condenado a escolher.

Essa diferença essencial entre o animal e o homem é o ponto de partida da fenomenologia existencial: o ser humano é o único ser cuja existência precede a essência. Ele não é definido por uma natureza fixa, mas por seus atos e escolhas que constituem sua identidade. Cada decisão é, ao mesmo tempo, invenção de si.

Ao examinar os relatos de um cliente, não buscamos a "verdade" de um eu pré-existente, mas as formas pelas quais a consciência se reflete sobre si mesma e se constitui no tempo — como texto vivo, gramaticalmente articulado, inclusive. Nesse sentido, o exame clínico fenomenológico-existencial não se propõe a interpretar o que o sujeito é, mas a compreender como ele está se fazendo ser, momento a momento.

A analogia do lobo nos permite ir além da moral e da causalidade. Se o lobo é condenado à sua essência, o homem é livre até mesmo para não saltar. O precipício, nesse caso, é o limite que o convoca a se decidir, não entre o certo e o errado, mas entre a autenticidade e seus autoenganos.

Oferecer um método clínico baseado nesse exame é oferecer ao sujeito um espelho, onde ele possa enxergar o modo como sua linguagem o revela, o trai, o encobre e, finalmente, o responsabiliza. Os  discursos, quando examinados sob a luz da fenomenologia sartreana, mostra o eu não como causa, mas como efeito da consciência refletida, como resultado da relação do sujeito com o mundo e consigo mesmo — como história em curso.

Assim, não há salto inevitável, nem essência a ser obedecida. Há apenas o risco e a liberdade de se fazer ser.