SOFRIMENTO E A DOR HUMANA: um caminho para o crescimento.
Vivemos em um tempo que rejeita o sofrimento, como se fosse um erro da existência. Mas será que podemos realmente escapar dele? Neste ensaio, convido você à reflexão sobre a dor como parte inescapável da vida – e, mais do que isso, como uma força capaz de nos fortalecer e transformar. A fuga do sofrimento nos torna frágeis, enquanto encará-lo nos impulsiona ao crescimento. Afinal, como Nietzsche apontou, é na disciplina do grande sofrer que se forja a verdadeira excelência humana.
PSICOLOGIA EXISTENCIALJEAN-PAUL SARTRESOFRIMENTO E CRESCIMENTOSENTIDO DA VIDAAUTOSSUPERAÇÃODOR E APRENDIZADOVIKTOR FRANKLSIGNIFICADO DO SOFRIMENTO
Por Flávio Sousa
5/7/20233 min ler
Em todo nosso conhecimento sobre a história humana, o sofrimento sempre esteve presente. Só que hoje, é visto de maneira execrável pela contemporaneidade. Idealizamos e nos perdemos na ilusão de viver sem sofrimento. Aqui convido o leitor a ser honesto, bem honesto, ao refletir sobre a pergunta: É POSSÍVEL UMA VIDA SEM SOFRIMENTO?
Neste momento, brotam as reflexões, sobretudo a respeito de nossa própria dor, e, também, sobre a impossibilidade de viver como idealizamos. Sim, o ideal visa abolir o real, é a fuga de uma realidade que nos tormenta. O ideal não é vivenciado, mas desejado, e, desejado aqui, em realidade. No mais próximo que conseguimos chegar dele, experimentamos momentos de muito prazer e satisfação. São por esses momentos que ansiamos em nossa angústia.
De uma forma um tanto distorcida, o sofrimento tornou-se repugnante. É importante ressaltar aqui o quão estranho seria se ansiássemos por ele, mas a autopreservação que nos faz ponderar diante do perigo, parece mesmo estar sendo bem atuante ou requisitada, cumprindo assim papel inverso ao que se destina. No entanto, nossa existência tem sido findada em fugir de algo tão nosso. Buscar conforto quando não é possível é tarefa vã e não nos prepara para a vida, não nos fortalece. O extenso leque de possibilidades como prerrogativa humana é vetado pelo medo. Medo de não conseguir, de não suportar, de não reagir... Medo de ter medo, enfim: derivações do sofrimento ampliado que a pós-modernidade tem nos oferecido.
Percebemos um investimento forte em apagar o sofrimento de todo nosso horizonte mental, mas, se ele ainda persiste logo se apresentam os sintomas, as marcas do fracasso na luta contra este “inimigo”, na direção do ideal. Mas, de qual ideal falamos aqui? Daquele criado como estratégia de fuga de todo o incômodo que podemos nos confrontar. E o inimigo a que me refiro tem sido compreendido como tal, principalmente no nosso século, porque é este o lugar que lhe demos. Mas, foi “a disciplina do sofrer”, dirá Nietzsche, “do grande sofrer, que até agora criou toda excelência humana.” Contraditório? Ou brilhante análise?
A fuga traz problemas maiores ignorados pelos ideais que produzimos. A carência da transformação, da edificação do homem, sua inércia e incapacidade de avançar e crescer, é o preço pago pelo não cultivo da força adormecida e embebedada pela nossa recusa em caminhar. Aqui, Sartre nos lembra que, mesmo diante do sofrimento, somos condenados a escolher o que faremos com ele. Não há determinismo que nos prenda à dor; há, sim, a liberdade inescapável de criarmo-nos a partir dela. Não importa o que nos acontece, mas como assumimos a responsabilidade por aquilo que seremos diante das adversidades.
Preenchemos nosso presente e nosso futuro de inseguranças e não aguentamos mais tanto passado preenchendo o caminho à nossa frente. E quando o sofrimento parece esmagador, o que nos resta? Frankl nos ensina que mesmo em meio à dor mais profunda, há a possibilidade do sentido – e, muitas vezes, encontrar esse sentido requer um guia. Um profissional capacitado pode ajudar a iluminar o caminho, a reorganizar o caos interno e a ressignificar a experiência do sofrimento. Não se trata de eliminar a dor, mas de compreendê-la como parte da jornada existencial.
A vida clama pela inversão de comportamentos e atitudes que nos impedem de assumir o protagonismo em nossa própria história. Como chegamos até aqui senão pelo suportar, persistir, avançar diante das dificuldades que encontramos durante todos os anos de nossa vida? Aqui, de onde estamos e, tornando consciente nosso suor, nosso cansaço e nossas lágrimas como preço que pagamos por chegar tão longe, é que aprendemos que os esforços que fizemos na vida, na verdade, foram esforços por nossa própria vida. Aqui compreendemos que não somos vítimas passivas da existência; somos, a cada instante, os autores de quem nos tornamos.
Aqui compreendemos o quão nocivo tem sido o desejo ofuscante de ideal de felicidade plena, autopreservação e inércia causada pelo desespero numa vida indevidamente compreendida. Aqui, percebemos que a vida acaba por ocupar o espaço antes sem sentido. A vida é o próprio sentido, e, busca por mais sentido nomeando, conhecendo e reconhecendo o mundo produzindo mais e mais sentidos: sentidos de vida, sentidos da vida, sentidos para a vida.
E há ainda uma coisa: sim, em meio a todas as desventuras, o sentido pessoal no coração de cada um é o que cultiva a vida. E encontrar esse sentido – ainda que na dor – é, talvez, a mais humana das conquistas.