Sua única tarefa é: Existir! - entenda a Precedência e suas Decorrências
Sua única tarefa é: Existir! Esta afirmação, aparentemente simples, contém uma profundidade avassaladora. Em um mundo obcecado por propósitos, conquistas e significados transcendentes, esquecemos que tudo o que somos e fazemos se origina de um único e irrevogável fundamento: a existência. Este texto mergulha nas implicações filosóficas dessa verdade, explorando a precedência do existir sobre qualquer construção humana de sentido. Com reflexões que passeiam por Sartre, Nietzsche, Camus e Dostoiévski, somos convidados a confrontar a realidade nua da vida e abraçá-la sem subterfúgios. Se todo ideal, todo legado, todo propósito não passa de uma decorrência da existência, qual é, então, o verdadeiro chamado da vida? Descubra a resposta nesta jornada intelectual que desafia certezas e ressignifica o próprio ato de ser.
JEAN-PAUL SARTREFRIEDRICH NIETZSCHEDOSTOIÉVSKIALBERT CAMUSEXISTENCIALISMOLIBERDADEFILOSOFIA EXISTENCIALSARTRE E A PSICOLOGIA CLÍNICARESPONSABILIDADE EXISTENCIALFENOMENOLOGIA APLICADAPSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA EXISTENCIAL
Por Flávio Sousa
6/27/20244 min ler
"Sua única tarefa é: Existir!" Esta simples afirmação, ao contrário do que pode parecer, encerra em si uma profundidade quase infinita. A existência humana é a pedra angular de toda reflexão filosófica, o fundamento irrevogável sobre o qual se erguem as construções de sentido, propósito e valor. No cerne do pensamento existencialista, encontramos uma verdade inescapável: a existência precede qualquer sentido ou propósito que possamos conceber.
"A existência precede a essência." Jean-Paul Sartre
Não somente a essência, mas tudo em uma pessoa, decorre da existência, é precedido por ela. A vida, em sua forma mais pura, não necessita de justificativas externas para sua validez: isto é uma premissa básica. Em "Assim Falou Zaratustra", obra de um certo autor, cujo os bigodes parecia sinalizar, tal como a força nos cabelos de Sanção, notável sabedoria, exorta-nos a abandonar a busca frenética por significados transcendentes, pois estes são construções humanas, derivadas da nossa própria condição de existirmos. "Torna-te quem tu és", dizia ele, numa clara alusão à aceitação radical da nossa essência no sentido da existência em si. Nossa primeira e única tarefa é existir, pois daí, tudo o mais surge, deriva, provém.
O que Nietzsche desvela é a verdade fundamental de que todos os atributos da vida — sejam eles, conquistas ou ideais — são meros predicados da existência. O homem, em sua ânsia de transcender, frequentemente se esquece de que o seu ser, o simples ato de existir, precede e fundamenta todas as suas aspirações. Argumentou que tais construções são, na verdade, manifestações da nossa vaidade. Vaidade esta que nos aprisiona, desviando-nos da verdadeira experiência de viver. "O homem é algo que deve ser superado", clamava ele, incitando-nos a transcender as ilusões e confrontar a vida em sua totalidade nua e crua.
Tomemos, por exemplo, a busca por um legado, o desejo de que nossos feitos perdure após nossa morte, que sejamos lembrados pela posteridade. Este desejo é, para o pensador, negação da nossa existência presente, uma inversão de valores que diminui a vida em prol de uma de suas derivações possíveis: nesse caso, o valor da vida é substituído por um desejo adquirido nela, desejo este que pode inclusive submeter a vida a ele. Mas a vida não está submetida a um legado, e sim, o contrário. Esquecemo-nos que o legado é apenas uma consequência da vida, um epifenômeno da nossa existência. Vivemos em função de uma projeção futura, negligenciando o presente, a única realidade que de fato possuímos.
O mártir, que sacrifica sua vida em nome de um ideal, deve sua causa à vida que tem, mesmo a extinguindo. Este paradoxo nos mostra a suprema importância do existir. Sem a vida, não há causas, não há legados, não há ideais. Todos esses são apenas meros conseguintes da existência.
O fundamento sobre o qual a todas as outras realidades se constroem é a existência humana. Não há propósito ou sentido que transcenda a própria existência em ato; todos são apenas decorrência dela, manifestações de uma condição essencial.
"O que é bom? Tudo o que eleva o sentimento de poder, a vontade de poder, o próprio poder no homem." Friedrich Nietzsche
Aqui, ele não se refere a um poder dominador, mas à capacidade de afirmar a vida em todas as suas manifestações. A existência é a base sobre a qual construímos tudo, e qualquer sentido que atribuamos à vida é secundário em relação ao fato fundamental de que vivemos.
Mesmo nos momentos mais sombrios, quando a existência parece um fardo insuportável, a resposta do autor é clara: abraçar a vida em toda a sua complexidade. Sua negação é uma trágica ironia. Aqueles que buscam o fim por não encontrarem sentido, ainda assim, na sua última ação, conferem um sentido à sua existência: o sentido do fim. Nos escritos de Viktor Frankl, este propósito é descoberto, construído e reconstruído na existência: a vida como meio da realização de uma intenção, independente de qual seja. Daí, é possível observar contudo que, mesmo suicidas, acabam por desenvolver, em vida, seu último sentido. Mais um paradoxo nos revela a vida em seu absurdo de ser, se impondo como condição suprema: devemos até mesmo a morte à própria existência, pois somente quem existe ou existiu um dia, pode ou pôde morrer.
"Matar-se, em certo sentido, (...) é confessar. Confessar que fomos superados pela vida ou que não a entendemos." Albert Camus
Dostoiévski explora o confronto com o absurdo da existência. Em "Memórias do Subsolo", ele nos apresenta o homem do subsolo, um personagem que luta contra a irracionalidade da vida, mas que, paradoxalmente, encontra um tipo de liberdade na aceitação do absurdo, bem ao gosto de Camus. Onde a razão existe apenas em seu mundo particular: "eu sou sozinho, e eles são todos". Essa liberdade reside na compreensão de que a vida não precisa de justificativas transcendentes.
Nossa existência é a matriz de todas as nossas experiências, pensamentos e sentimentos. É dela que brotam nossos mais elevados ideais e nossas mais profundas angústias. Portanto, é imperativo que reconheçamos a vida como o bem maior, a partir do qual tudo o mais deriva. Viver plenamente, consciente da nossa condição, é a mais autêntica forma de honrar a nossa existência.
A vida humana, então, é um constante vir-à-ser, um fluxo interminável de momentos que se desdobram no eterno agora. Cada respiração, cada batida do coração, é uma celebração da existência. E é nesta celebração contínua que reside a verdadeira liberdade, a liberdade de ser aquilo que somos, sem a necessidade de subterfúgios ou validações externas. Existir é a tarefa mais sublime e fundamental, a partir da qual tudo flui.