Suicídio e Ambiente de trabalho: Abordagem "Psico-sócio-filosófica" para Análise do Silencioso Sofrimento do Mobbing

O suicídio no ambiente de trabalho é um fenômeno silencioso e complexo, frequentemente ligado ao assédio moral (mobbing), à falta de sentido no trabalho e à alienação profissional. Neste artigo analiso o tema sob uma abordagem psico-sócio-filosófica, explorando as contribuições de Émile Durkheim, Viktor Frankl e Albert Camus. A reflexão percorre desde os impactos da humilhação sistemática até o papel da busca por significado e resistência ao absurdo. Além disso, apresenta estratégias para a criação de um ambiente de trabalho mais saudável e preventivo.

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Por Flávio Sosua

6/9/20245 min ler

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O suicídio é um fenômeno complexo que pode ser analisado sob diversas lentes, desde a ciência psicológica passando pela sociologia e a filosofia. Neste texto, examinaremos o suicídio a partir das contribuições de três importantes pensadores: Émile Durkheim, Viktor Frankl e Albert Camus, considerando também a influência do ambiente de trabalho, assédios e intolerância como fatores desencadeantes.

"Mobbing", termo originado do verbo alemão "mobben", que significa "atacar em grupo" ou simplesmente "intimidar", foi definido na década de 1980 pelo psicólogo sueco Heinz Leymann para descrever a violência psicológica ou "terror psicológico" no ambiente de trabalho. Inicialmente utilizado para explicar o sofrimento de funcionários vítimas de humilhações, perseguições e isolamentos sistemáticos, o conceito logo se expandiu para abarcar situações similares em outros contextos, como as universidades.

Embora a palavra "mobbing" não seja tão difundida no Brasil quanto "bullying", seus efeitos podem ser igualmente devastadores. As vítimas frequentemente apresentam sintomas de ansiedade, depressão, estresse e até mesmo ideação suicida. A humilhação constante, a exclusão social, além do medo de represálias podem levar ao isolamento, à perda de autoestima e à sensação de impotência, um terrível desespero que pode fazer as vítimas enxergarem no suicídio uma trágica saída, percebida como a única maneira de escapar da dor.

Perspectiva Sociológica: Émile Durkheim

Émile Durkheim, em sua obra "O Suicídio" (1897), caracteriza este fenômeno como um ato social. Propõe sua classificação em quatro tipos principais: egoísta, altruísta, anômico e fatalista.


Egoísta: Quando o indivíduo se sente desconectado ou isolado da sociedade. Há uma falta de integração social, e ele sente que não pertence a um grupo maior ou significativo.

  • Altruísta: Ao contrário do egoísta, o suicídio altruísta acontece quando a integração social é excessiva. A pessoa se encontra tão fortemente conectada a um grupo ou causa que está disposta a sacrificar sua própria vida pelo bem desse grupo. Um caso muito famoso aconteceu em 18 de novembro de 1978 na Guiana, e custou a vida de 918 pessoas. Em meio a alguns assassinatos, a grande maioria dos envolvidos, na Jonestown, sob orientação de Jim Jones, tomaram voluntariamente uma solução que os levaram à morte.

  • Anômico: É resultado de uma regulação insuficiente das normas e valores sociais. Ele ocorre durante períodos de grande mudança ou crise social, como recessões econômicas, quando as normas tradicionais são desestabilizadas, levando a sentimentos de confusão e desesperança.

  • Fatalista: O suicídio fatalista ocorre sob condições de regulação social excessiva, onde os indivíduos experimentam uma opressão extrema e veem suas futuras perspectivas como sombrias e sem esperança. Exemplos incluem prisioneiros de regimes opressivos ou escravos.

No contexto do ambiente de trabalho, o suicídio anômico e o fatalista são particularmente relevantes.

Perspectiva Psicológica: Viktor Frankl

Viktor Frankl, em "Em Busca de Sentido" (1946), argumenta que o principal motivador humano é a busca por significado. Frankl sugere que a perda de sentido e a desesperança podem levar ao suicídio. Um exemplo contundente disso é descrito no próprio livro, onde Frankl observa prisioneiros em campos de concentração que, em um estado de total desesperança, se jogam na cerca eletrificada de arame farpado para acabar com seu sofrimento.

No ambiente de trabalho, a falta de propósito, aliada ao assédio moral e à intolerância, pode levar os indivíduos ao desespero. O conceito de "vazio existencial" de Frankl é crucial para entender como a ausência de sentido no trabalho pode ser um fator precipitante para este ato. Esse conceito refere-se a uma sensação de falta de propósito e de direção na vida, que ocorre quando o indivíduo não encontra um significado pessoal em suas atividades diárias, levando a um sentimento de apatia e desespero.


Perspectiva Filosófica: Albert Camus

Albert Camus, em "O Mito de Sísifo" (1942), aborda o suicídio como uma resposta à percepção da absurdidade da vida. Segundo Camus, o absurdo surge do confronto entre o desejo humano de encontrar sentido e a irracionalidade do universo. Diante dessa confrontação, Camus propõe que, em vez de sucumbir ao desespero, o indivíduo deve se engajar em uma revolta consciente, criando seu próprio significado e vivendo plenamente independente da falta de sentido inerente.

No contexto do ambiente de trabalho, a sensação de absurdo pode ser intensificada por condições opressivas e desumanizadoras. Trabalhos monótonos, a falta de reconhecimento e a alienação podem exacerbar a percepção de uma existência sem propósito. Para Camus, a decisão de continuar vivendo e resistindo reside na capacidade do indivíduo de enfrentar o absurdo e encontrar liberdade na própria revolta. Essa revolta não é uma negação passiva do sentido, mas uma afirmação ativa da própria existência e da dignidade humana, desafiando o vazio criando significado pessoal.


Portanto, nesta perspectiva, a resposta ao absurdo no ambiente de trabalho envolve uma luta contínua e consciente para afirmar a própria liberdade e dignidade. A revolta contra a desumanização e a opressão no trabalho se torna uma forma de resistir, reafirmando a vida neste absurdo.

Moral Religiosa

Ela atravessa este fenômeno, pois a maioria das religiões vê o suicídio como um ato imoral e condenável. No cristianismo, por exemplo, o suicídio é considerado um pecado grave, pois a vida é vista como um dom divino. Esta visão pode, em alguns casos, atuar como um fator preventivo, mas também pode aumentar a culpa e a vergonha nos indivíduos que já estão lutando com estes pensamentos.


Suicídio no Ambiente de Trabalho

Os ambientes de trabalho podem ser um terreno fértil para o desenvolvimento de ideação suicida, especialmente quando caracterizados por assédio moral, intolerância e pressões extremas. O assédio moral, ou mobbing, envolve comportamentos repetidos que visam humilhar, degradar e isolar o trabalhador. A intolerância pode manifestar-se de várias formas, incluindo discriminação, racismo e sexismo.


Percurso das Ideias Suicidas

O percurso das ideias suicidas pode ser dividido em várias etapas:

Estresse Inicial: O indivíduo começa a sentir-se sobrecarregado e sem suporte adequado.

Desesperança: A falta de soluções percebidas leva à desesperança.

Ideação Passiva: Pensamentos sobre a morte surgem, sem planos concretos.

Ideação Ativa: Surgem planos específicos sobre como cometer suicídio.

Planejamento: O indivíduo começa a preparar os meios para cometer o ato.

Cristalização: A decisão de cometer suicídio torna-se firme.

Medidas Preventivas no Ambiente de Trabalho

Para mitigar os riscos de suicídio no ambiente de trabalho, líderes e responsáveis

devem adotar diversas medidas preventivas. Aqui cito alguma relevantes:

Criação de um Ambiente de Suporte: Promover um ambiente onde os trabalhadores se sintam valorizados e apoiados.

Implementação de Políticas Antimobbing: Estabelecer e fazer cumprir políticas contra assédio e discriminação.


Acesso a Recursos de Saúde Mental: Fornecer acesso a serviços de aconselhamento e apoio psicológico.

Treinamento de Liderança: Treinar líderes para identificar sinais de estresse e oferecer suporte adequado.


Promoção do Equilíbrio entre Vida Profissional e Pessoal: Incentivar práticas que ajudem os trabalhadores a equilibrar suas vidas profissionais e pessoais.

Feedback Contínuo: Estabelecer canais para feedback constante e construtivo, permitindo que os trabalhadores expressem suas preocupações e sentimentos.


O suicídio é um fenômeno multifacetado que requer uma análise ampla do convívio nas organizações para ser plenamente compreendido e prevenido. A integração das perspectivas de Durkheim, Frankl e Camus fornece uma base robusta para entender como fatores no ambiente de trabalho podem precipitar ideação suicida. Medidas proativas e de suporte são essenciais para criar ambientes de trabalho mais saudáveis e evitar tragédias.

Para Sartre, o homem escolhe-se por seu posicionamento no mundo e, dessa forma, escolhe também o mundo que quer para si. Dessa maneira ele é responsável por si e pelo mundo que escolheu, inclusive seu ambiente de trabalho.


Uma Observação importante: Sob reflexão, comportamentos irrefletidos, irresponsáveis ou instintivamente agressivos, podem se transformar em atitudes responsáveis, mesmo em indivíduos recorrentemente opressores, dada a