Todo Inconsciente É Consciência: Uma Reflexão Sartreana sobre a subjetividade

Em Todo Inconsciente É Consciência: Uma Reflexão Sartreana sobre a Subjetividade, Flávio Sousa explora a centralidade da consciência na filosofia de Sartre, desafiando a noção de um inconsciente autônomo e obscuro. Partindo da fenomenologia de Husserl e do existencialismo sartreano, o texto argumenta que o que chamamos de "inconsciente" nada mais é do que aspectos da própria consciência que ainda não foram plenamente reconhecidos. A subjetividade, longe de ser um espaço fixo e isolado, é um movimento contínuo de construção do "eu" na interação com o mundo. Assim, ao invés de sermos governados por forças psíquicas ocultas, somos agentes ativos na formação de nossa própria existência.

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Por Flávio Sousa

12/3/20242 min ler

An abstract painting of red and blue shapes
An abstract painting of red and blue shapes

A consciência, para Sartre, constitui o cerne da existência humana. Não há recantos ocultos onde forças autônomas dominem o homem à revelia de sua compreensão; o ser humano é, em todas as dimensões de sua existência, um ser de consciência.

Se admitimos que o inconsciente exerce influência sobre a vida humana, devemos reconhecer que essa influência só é possível porque, em essência, o inconsciente é consciência. Como destacado por Husserl, a consciência é sempre intencional, voltada para algo. Podemos afirmar que aquilo que se apresenta como "inconsciente" é, na verdade, uma manifestação da consciência em relação ao mundo, mesmo que mediada ou inicialmente não reconhecida, por não ter sido ainda objeto de reflexão. Portanto, todo inconsciente que se acredita atuar ou influenciar a vida de um homem é, por excelência, consciência de algo e, ao mesmo tempo, consciência desse indivíduo.

Essa perspectiva refuta a ideia de forças psíquicas obscuras e autônomas controlando a existência humana. O que se atribui ao inconsciente não é mais do que formas da consciência que, por razões sociais, históricas ou pessoais, ainda não foram plenamente assumidas ou integradas. Assim, manter a centralidade da consciência é reafirmar o entendimento de que o homem não é regido por algo externo ou opaco à sua própria compreensão.

Se todo inconsciente é consciência de algo e, por isso, se relaciona com o mundo de maneira ativa, devemos avançar para compreender como essa consciência molda não apenas nossa relação com o exterior, mas também nossa identidade, o que chamamos de "eu". A consciência não apenas direciona nossa percepção do mundo; ela também reflete sobre nós mesmos, pelo fato de ser consciência de si. O “eu” não é um núcleo fixo ou imutável, mas uma construção contínua que emerge das relações e significados estabelecidos pela consciência em sua interação com o mundo.


Nesse sentido, o “eu” não pode ser compreendido como algo dado ou pré-determinado. Ele se configura em um processo dinâmico, no qual o exterior — o mundo, os outros e as experiências que vivemos — é absorvido e integrado. A subjetividade, modo particular de configuração de consciências pessoais, não é um espaço isolado e hermético, mas uma expressão singular desse encontro constante entre o interno e o externo.

Por isso, assim como o inconsciente é consciência, também nossos desejos e pulsões, muitas vezes atribuídos a um suposto domínio oculto, são na verdade, construções que emergem nas relações e nos significados compartilhados, não preexistem como energias autônomas; em vez disso, se formam nas interações e nos contextos em que estamos inseridos.


A subjetividade, portanto, é um movimento vivo e contínuo. Não somos moldados por forças externas passivamente, nem somos governados por algo interior e obscuro. Em vez disso, somos o resultado de um diálogo incessante entre a consciência e o mundo que habitamos. Assim, a consciência é a força criadora que define tanto o que somos quanto a maneira como interpretamos e significamos o universo ao nosso redor.

Com isso, reafirmamos a visão de Sartre: o homem é consciência de ponta a ponta. Portanto, ao entendermos que tudo o que age sobre nós é, em última análise, nossa consciência, ou seja, nós mesmos em relação conosco e com o mundo, somos levados a reconhecer seu papel ativo na constituição de nossa subjetividade e na formação integral de nossa existência.